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[Sinestésico] Escrevas sempre, pois se não o fizeres, morrer-se-á, pouco-a-pouco, por dentro - Três Leitoras

27ago2017

[Sinestésico] Escrevas sempre, pois se não o fizeres, morrer-se-á, pouco-a-pouco, por dentro

Por João Moreno
Pertencente a um amigo (Vieira, 2017), o título acima não poderia ser mais exato para narrar as desventuras - mais uma -  deste esquizofrênico que vos escreve, aqui, aos domingos. Uma vez perguntei a um querido amigo, outro, sobre a necessidade daqueles que escrevem sentem em serem lidos. Uma amizade - um abraço apertado, querido Wigvan! - que originara-se principalmente daí: um projeto, uma revista eletrônica literária, um texto, "nossos livros preferidos e como eles impactaram nossas vidas". Sua resposta não sanara-me a dúvida. Como punição, desde então, Wigvan é obrigado a receber uma nova crônica dia sim, outro também.
Escrevi certa vez que “o trabalho do escritor se assemelha a de um arqueólogo. Munidos de nossas ‘ferramentas’ ou palavras, desenterramos de nosso imaginário os elementos construtores de uma narrativa. Com o mínimo de interferência possível, retiramos, letra por letra, linha por linha, aquilo outrora imaginado”. Escrever não fora um sonho de criança. No máximo, no final da adolescência, criara um blog, o extinto ‘Sobre outro aspecto’, pensamentos, devaneios e blá-blá-blá. Praticava um jornalismo opinativo, sem saber que aquilo se tratava de jornalismo opinativo. Guardo boas recordações de uma crônica sobre o show do Metallica de 2011, o primeiro, no Rock in Rio. A propósito, não sabia que aquela crônica se tratava de uma crônica.
Veio 2014, e com ele a recuperação de uma fase em que vivi só. Eu, apenas eu, eu e meus demônios. O homem que ficara tanto tempo calado, vítima de uma síndrome do pânico, precisava – urgentemente – expressar-se. Parafraseando Dave Grohl, à época, “aprendera a conversar novamente, [...] esperei por tanto tempo, por onde começo?”. Às primeiras palavras vieram na forma de “cartas para mim mesmo”, e lá pela quinta, porém, citando um amigo, “começaram a ficar chatas e repetitivas”. O primeiro conto, - "gênero literário curto, que traz um único núcleo narrativo”. (Moscovich, 2017), e aprenderia isso depois, muito depois -, surgiu na mesma época. Bobo, com pouco mais de três parágrafos, e a alcunha de ‘Clube dos Escritores’, narrava o desespero de um escritor e sua vida fracassada no mundo das palavras. No fim, ele, talvez uma autodescrição àquela época, cometeria suicídio. Engraçado notar que os meus contos, todos, afogavam-se em tons depressivos, mórbidos. O suicídio era uma saída recorrente aos personagens. Em minhas crônicas, entretanto, os tons alegres-maníacos davam às cores, um tanto quanto clichês. Extremismos que hoje, felizmente, não mais me pertencem.
Veio, então, a faculdade de jornalismo e, aqui, faço uma confissão; escolhera à profissão pela perspicácia e crítica de Orwell, pelo poder narrativo e descritivo de Gabo. Fui surpreendido, entretanto e mais uma vez, por uma realidade completamente diferente. O jornalismo factual não permite a genialidade de um ‘1984, muito menos a liricidade de um ‘Notícias de um Sequestro’. Se escolhera a profissão impulsionado pelo desejo de escrever, acabei inflacionado em um cotidiano de textos burocráticos. Lide, o quê; quem; quando; onde. Sublide, como; porque. Pirâmide invertida. Fonte primária, secundária, oficial, especializada. “O título sempre está na primeira linha do texto, se não, tem alguma coisa errada aí”. Mais: ordem direta, terceira pessoa, singular, não repetição de palavras. Outras tantas dicas apreendidas em Manuais das Redações, ou, então, em e-mails da Profª Msª Denize Daudt Bandeira. Fugindo ao padrão, uma quebra às regras, um soco na cara da rotina. Algumas vezes, bem poucas, a genialidade de Eliane Brum e seu jornalismo literário pôde vir à tona, sempre em casa, de madrugada, sem o pagamento de horas extras.
“É nítido que quem lê, quem gosta de ler, tem um texto mais redondo, mais fluido”, dissera, ao terminar de revisar o meu texto. Meus olhos enchem-se de água; ele percebe, e dono de grande sensibilidade, nada comenta. “Os seus amigos deveriam saber disso”, finalizara o Professor Rogério Borges, gênio do Jornalismo Literário, da sensibilidade, sem saber o quão bem aquele elogio, vindo dele, justo dele, fizera para a minha confiança e autoestima.
 A faculdade de jornalismo fizera-me bem. Impossível não lembrar com carinho das aulas de ‘Linguagem e Comunicação’, no já distante primeiro período, momento de encantos e inocência. Na última sexta-feira (25), encontrara a querida professora (um grande beijo, professora Adélia!) no corredor da Universidade. "Gente, vou ter que dar um jeito de arrancar esses piercings”, dissera, ao me ver e dar-me um abraço apertado, retribuído com igual carinho.Continua escrevendo, né? Livro-reportagem?  Vou ter que dar um jeito de estar na sua banca". Ao relembrar este momento, hoje, não poderia estar mais feliz e seguro diante de tamanha responsabilidade; escrever para aquela acostumada a estudar, pesquisar e ensinar sobre os grandes da Literatura.
Ainda sobre jornalismo e jornalistas, lembro-me da minha primeira grande pauta, e a oportunidade de escrever e publicar uma reportagem na revista Raízes, publicação que transborda jornalismo cultural. Por algum motivo, e não sei qual, não cumprira o deadline, norte de todo e qualquer jornalista, nosso maior vilão, ao lado da notícia mal-apurada ou do texto mal escrito. Os pouco mais de 15 mil caracteres ficaram perdidos por algum tempo, não mais que eu, ao perceber que perdera, também, a oportunidade de minha maior publicação até então. A propósito, a pauta fora ‘transexualidade’, quebrara-me preconceitos e foi publicada posteriormente, no portal que veio a se transformar à extinta revista.
O jornalismo embebido em literatura continuar-se-ia a me encantar, e a oportunidade de produzi-lo e criá-lo, mais ainda. Ao cursar ‘Rádio jornalismo’ (deixo aqui, mais uma vez, todo o meu carinho e admiração por e para a professora Denize Daudt Bandeira), veio, também, a oportunidade de desenvolver um trabalho dentro de um gênero conhecido como ficcional (Macleish, 2001). Uma oportunidade sonhada meses antes, finalmente concretizar-se-ia. Como resultado, um dos trabalhos que guardo grande carinho, e o desempenho sensacional de locução da bailarina Bruna Nunis, também conhecida por ser a minha esposa.
Quero, entretanto, Caro Leitor, seguir uma ordem cronológica agora, e narrar que um pouco antes disso passara por uma obsessão. Um desejo, imaturo, de tornar-me escritor, desejo maior do que em escrever, pior, maior do que o desejo fundamental de escrever bem. Lembro que na época pensara, seriamente, em trancar a faculdade de jornalismo para escrever um romance. Para a minha sorte, de minha esposa e futuros filhos, não o fiz. Por algum tempo, publicara alguns rabiscos, em uma coluna, num jornal aqui de Goiânia. A experiência fora válida, é verdade, com alguns textos que não eram de todo ruim. No mais, ajudaram-me a criar um estilo, ou algo próximo a isso, e a descobrir o que hoje me serve e o que deve ser descartado em termos de escrita.
A saga em tornar-me escritor continuaria. “Você talvez tenha que acostumar-se com a ideia de que nem todos os sonhos são realizáveis”, dissera-me, certa vez, um colega. A decepção em não ser aprovadoem um concurso de contos, meu primeiro, deixara, em mim, uma grande cicatriz. Deixei de escrever por muito tempo, conformado com a burocracia jornalística. Esses mesmos textos, um ano depois, foram enviados a uma nova coletânea de contos, daquelas em que o autor paga e é publicado. Pouco depois de ter-me decidido aventurar-se por esse caminho, o arrependimento, já que não o era muito diferente de pagar-se por sexo. Da falta de sedução, conquista, do carinho após o ‘ato carnal’, do ato em si. Em um mesmo sentido, é como gozar e despedir-se da garota de programa, preocupada apenas com o dinheiro, nada mais. Em um jogo de palavras, ‘foda-se’ a qualidade da foda, neste caso, a qualidade do texto.  
Um pouco adiante no tempo, arrisquei pelos terrenos pedregosos e traiçoeiros de um romance, “gênero literário, com vários núcleos narrativos, sendo um, o principal".(Moscovich, 2017). Em dois meses intensos, estagnara pouco antes da página cem. Abandonara-o num repente, sem grandes razões para tal, o projeto sem nome, ou “Conto 1”, como o arquivo do Word insistira em o chamar.
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“Diga meu nome!". Era uma ordem, direta, clara. André sentiu todo o poder que dela emanava e rapidamente obedeceu. "Lúcifer", balbuciou. "Sabe o que eu quero?", sussurrou o demônio, audível. André estremeceu. Era a parte que mais temia, que todos temiam. "Acho que sim", choramingou. Lúcifer riu, uma gargalhada diabólica, desprovido de emoção ou de vida, que emanava maldade. [...] “Olhe pra mim!", mandou. André abriu os olhos, e só percebia que os mantinha fechados agora. Suas narinas foram invadidas por um cheiro nauseabundo de enxofre. Sua visão, ofuscada por um clarão rubro incandescente. Olhou para o que havia de belo. Sentiu seu peito parar de bater. Foi como morrer uma centena de vezes." (Lima Neto, 200?).

Passado a fase de viver o romance - literalmente, pois mesmo após o ponto final, seus personagens consumir-iam-me -, veio a felicidade ao ser aprovadoquase dois anos depois, num concurso literário outrora fracassado. O conto, o único que escreveria naquele ano, o foi feito especialmente para o referido certame. Lembro-me que, logo após a conclusão, anotei – mentalmente – a data de divulgação do resultado. De alguma maneira, a minha felicidade dependia daquilo. Era fevereiro, o ano era 2017, a semana, de realizações. Bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), entrevista para o primeiro estágio – que não deu certo, desculpe-me por fazer perder-lhe o tempo, Flötter and Schaulff! Em uma lista de quarenta nomes, o meu fora o último, de número 27. A felicidade, a maior. Lágrimas vieram, compartilhadas com as devidas pessoas. Era o certificado que faltava-me, que ao contrário do pensamento de um amigo, no mínimo, a passos lentos caminhava em direção a um sonho que naquele momento não era mais meu, ou não tão mais.
E a vontade de ser lido nunca fora curada. Que o diga Victor Barbosa, a minha espécie de editor literário não-remunerado, a primeira pessoa a ler todo e cada texto, inclusive, este. Inclino-me muito pouco à críticas e correções, falha no caráter, sim, eu sei, suas observações, entretanto, são atendidas de imediato. Editores de grandes jornais poderiam apreender de sua sensibilidade. Com um texto direto sem pautar-se em burocracia, abri mão de meu protagonismo em meu Livro-reportagem, agora Nosso, por confiar cegamente em seu trabalho. .
Por falar em trabalho em conjunto, e também daquela velha necessidade em ‘ser lido’, entre aspas, criamos o ‘Literature-me!’, portal de jornalismo e literatura desenvolvido para a disciplina de ‘Web jornalismo’, no 6° período. Contos, artigo de opinião e até textos sobre teoria política permeiam o site. Tudo isso com grande qualidade, e poucas visualizações. O desapontamento de ter uma única visualização em uma boa – na minha opinião – resenha de um livro do Saramago só não é maior pois aprendi, certa vez, com meu irmão. “Não é muito mais importante escrever do que publicar?”, perguntara ele, certa vez. De muitas maneiras, acertara.
Escrever é uma necessidade da alma, necessidade refletida em minha aparência, talvez. Que o diga as tantas linhas, frases e palavras. "O que tenho tatuado no braço? Depende, para alguns, um conto, para outros, uma crônica. Gosto de dizer, entretanto, que trata-se de uma receita de bolo de fubá", geralmente respondo, ao perguntar-me sobre um significado de algo tão particular. Menos ambicioso que um On Writing ou uma Jornada do Escritor, Magnus opus do universo das palavras, escrevo, aqui, há mais de seis horas. Cansado, o efeito da cafeína, pouco a pouco, desvanece de minha mente. As pálpebras pesam, e as palavras demoram a fazer sentido, assim como demoram a surgir, também, os substantivos de uma longa caminhada que é escrever sobre o ato de escrever.
Ao refletir sobre, cinco laudas depois, é fácil chegar a uma conclusão. Anteriormente, importava-me o título. Escritor. “Substantivo masculino. 1. Aquele que escreve. 2.  Autor de obras literárias, culturais, científicas etc., esp. o ficcionista”. Hoje, entretanto, satisfaço-me, muito mais, com o ato; regozijo-me. Escrever. “Verbo transitivo e intransitivo. 1. Representar pela escrita, com palavras, caracteres, sinais gráficos. "Escrevia pela necessidade da alma. Assim como respirar, escrever era necessário para viver". 2. Criar ou compor alguma coisa. "Escrevia crônicas"; "Um poeta que escreve raramente, ou não tão raramente assim".
E hoje, após um relato oral de minha vida permeada em palavras, "aquelas capazes de alargarem caminhos, outrora, estreitos"; renasço-me. Respiro no período bem escrito, na ideia bem exposta, da rima precisa, com o texto que agrada-me à primeira leitura, ou, então, em meus erros de crase. Renasço-me nela mesmaliteratura, a "arte de escrever", "daquela que é a distância que existe entre o texto e o leitor, que é forte, por excelência, em ser ela mesma". Literatura, "onde o limite é a arte, o bom gosto”. Renasço-me, também,  ao ser o meu próprio e único carrasco, senhor de mim mesmo, ninguém menos que o deus de minhas criações Hoje, a única coisa que sei ao fim desta linha, da materialização final destas ideias, é que devo escrever. Se não o fizer, acabarei por morrer, pouco a pouco, dia a dia, por dentro.
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Para aqueles que chegaram até aqui, meu muito obrigado, seguido de um  convite que não poderia deixar de fazer; de antemão, já me desculpo por eventuais contratempo. Durante a leitura, é possível perceber pequenos hiperlinks, em palavras específicas. Se você conseguiu observar um padrão - e se não o fez, sem problemas-, percebeu que o redirecionamento para outra página da World Wide Web acontecia, sempre, ao referir-me há algum texto, crônica ou reportagem escrito outrora. Na minha obsessão em ser lido, aceitei o convite do Três Leitoras há alguns meses atrás, concretizado, apenas, há algumas semanas.  E tem-me sido um prazer o fazê-lo, quase sempre aos sábados de madrugada. Prazer maior, entretanto, são os pequenos comentários, cheios de vida, como sentir-se abraçado em um dia melancólico de chuva. Se ainda não cansou-se desse ser prolixo, meus parabéns, e que tal, porque não, ler-me mais um pouco?
Arquivo Pessoal. Reprodução.

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