20set2017
20set2017
[Sinestésico] Rio de Janeiro, Rock in Rio e uma experiência não muito agradável na Cidade Maravilhosa; ou como não assistir ao show do Metallica por digitar, o tempo todo, num celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Samsung
Por
João Moreno
1
Entre 2011 e 2013, Talese
ainda não fazia parte de minha vida. Nem jornalismo literário,
livro-reportagem ou a professora Carolina Goos, sem acento. Apesar das faltas, em 2011,
fui feliz. Era quarta-feira e vestia uma camiseta do Metallica, tamanho M. Nela, em poses triunfais, os ‘Tallica
Boys emanavam poder, dominavam o mundo! Era quarta-feira e tinha acabado de ser reprovado, pela primeira vez e não última, em Química Ambiental. Odiava química, odiava o
meio-ambiente e estas experiências imputariam marcas indeléveis à minha
personalidade. No Facebook, é
possível ver um registro do momento; um rapaz imberbe, a segurar um ingresso
metalizado; neste, à data “25 de setembro 2011” pode ser lida, apesar dos
destaques em cromo nas mais variadas cores. Estávamos no meio da Avenida Goiás,
e, aos fundos, uma mulher loira, numa lingerie de enfermeira provocante, pedia
silêncio, com o dedo indicador direito em riste, em uma propaganda qualquer de um sexy shop qualquer. O sorriso do menino, de orelha à
orelha, mal cabia na foto. Foi o primeiro grande evento que fomos, Tadeu, Leandro, Felipe e eu, os auto-intitulados The Little Birds, e a intenção, aqui, ao escrever estas quase cinco mil palavras, seria descrever os dois anos, os dois shows, as duas aventuras, como numa abordagem comparativa, de paralelos e contrastes. O horário iminente da aula e as quase doze páginas do
relato a seguir, entretanto, desestimular-me-ia a tanto, muito bem, obrigado.
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Sintomas de uma doença mental grave. Tatuar uma marca e a assinatura de seus criadores. Acervo Pessoal. |
2
2013. “Não se começa, num texto, o parágrafo com numeral”, diria
o meu ex-editor. Sinceramente, hoje e aqui, editor de minhas próprias palavras, quero que ele vá para a puta que o pariu. É
setembro e estou de férias do meu trabalho; desanimado e depressivo, reluto
muito em ir ao tão esperado show, este no qual compramos os ingressos meses antes, de forma antecipada. Ainda, sem minha medicação há bastante tempo, tenho a certeza de
que tempos sombrios se aproximam. Dias
antes do fatídico evento, abro, de forma aleatória, um livro de contos de
Stephen King, à época, meu escritor favorito. Quase quarenta páginas de “The New York Times a preços promocionais
imperdíveis”, um desejo - no conto, um avião cai. Decido ir ao tão esperado show apenas para isso, nada mais. O egoísmo da minha parte é tremendo, eu sei, mas tenho a palavra egoísmo tatuada no pescoço, sinto muito, por nada. Minha namorada à época, uma sósia
do Bob da Silva Sauro, da família Dinossauro, insiste para que eu fique. Em dúvidas, não
sei se é preocupação ou despeito; decido, então, por julgar como aquele sentimento negativo de quem
fica de fora de uma festa muito
esperada.
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"Não vá", dissera Bob, minha namorada à época. Imagem de Internet. Reprodução. |
Nosso voo está marcado para às 13 horas. Estamos na casa
de minha mãe, os Four Horsemen¹, e
meu irmão demora mais de cinquenta minutos para terminar sua refeição. “Como
assim, João Neto? Você não está animado para o show do Metallica?”, pergunta o
Tadeu, socando o meu ombro com o seu punho esquerdo. Ele é alto, forte, e uma
das melhores pessoas que conheço. Balanço a cabeça e confirmo de forma
negativa; não consigo sustentar seu olhar. “Leandro, você não come carne
cozida, meu filho?”, ela pergunta, triste por não conseguir agradar a todos.
Meu padrasto está com o cenho franzido, já que é obrigado a ser o motorista da
rodada, mais uma vez, como sempre fora obrigado a ser.
Uso uma camisa branca do festival e em Goiânia, São Paulo e
Rio de Janeiro, as pessoas nos olham por onde passamos. Somos um grupo
estranho. “Bom show”, deseja-me o comissário de bordo da empresa área Gol. Sento ao lado de
uma senhorinha loira. Devido a minha Síndrome do Pânico, tenho dificuldades
em manter contato com estranhos. “Divirtam-se, mas com juízo”, ela alerta,
naquele tom de Vó que toda senhora adquire em algum momento da senilidade.
“Nada de usar drogas, meninos”, ela endossa. Não usaremos, Vovó!
Conexão. Quase me perco do meu grupo, e pareço uma pessoa com
certo nível de retardo mental. Nossas mochilas estão cheias de mantimentos,
leia-se aqui Energéticos, Balas, Chocolates, Doces e Salgadinhos; O aeroporto
tem dimensões colossais e, para atravessarmos de uma área à outra, tomamos
ônibus particulares da empresa. Faltam alguns minutos para o Rio de Janeiro, e
abrimos uma garrafa de dois litros de Volcano ali mesmo. É uma cena bizarra, pois somos um grupo bizarro, e
as pessoas nos olham com certo interesse.
3
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro Antônio Carlos
Jobim – Galeão –. Quarta-feira, nosso show começaria às 00: 05 hs do dia
seguinte à quinta, também conhecido como sexta-feira. Decidimos por passar à
noite ali, e ir para a fila pela manhã, logo cedo. Encontramos quatro pessoas
vestidas, também, de preto. Camisetas do Metallica
e Alice in Chains. De maneira instantânea,
viramos melhores amigos. “Meu amigo vai fazer 18 anos amanhã”, diz o primeiro.
Tem cabelos espetados, óculos de grau, e parece ser o líder dos três. O
aniversariante é alto, um pouco ‘forte’, e não conversa muito. Não me lembro de
ter ouvido a sua voz. A menina que os acompanhava era bonita, um pouco
gordinha, e tinha conversas incomuns, acompanhadas com expressões de olhos arregalados. Amiga do grupo por
necessidade, a outra tinha cabelos vermelhos, sotaque nordestino e fazia
Medicina em algum país sul-americano. Tadeu não consegue tirar os olhos delas, das duas, tentando chamar a atenção de ambas de todas as maneiras possíveis.
É meia-noite e alguém tem a ideia de cantar parabéns para o
Rodrigo. Ou Rodolfo. Acho que o nome era Matheus. “Parabéns pra você, nesta
data querida...”. Somos escorraçados do local, das cadeiras confortáveis em
frente ao banheiro. Explorando aquele local de proporções imensuráveis, os novos
amigos se divertem com o nosso sotaque goiano. Mais, “por um momento achei que você
era o Fiuk”, diz o líder da banda pra mim. Meus cabelos estão grandes,
encaracolados, e uso uma tiara fina para desviá-los dos olhos. Devo pesar 53 quilos, bem
diferente dos quase 70 que planejara estar pesando desde o evento anterior. Meu
maxilar é quadrado, o que torna meu rosto ainda mais sulcado pela magreza; ando
com a cabeça abaixada, virada pro chão, sem conseguir sustentar o olhar das
pessoas. O celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Samsung, está sempre ali, a mãos, "aonde quer que eu vá", como canta Nando Reis.
Usamos nossas mochilas como travesseiros. Repartimos nossos
souvenirs com uma certeza; amizades
de festivais são as mais sinceras, sempre! Dormimos pouco, levantamos cedo. Tomamos
‘banho’ na pia do Galeão, com um funcionário a vigiar o que fazíamos. “Caralho,
tem um funcionário no banheiro”, afirma o Felipe. Ele veste uma camiseta do And Justice For All² de mangas
longas. A menina de cabelos vermelhos tem um smartphone, é 2013 e eu nunca liguei para essas coisas, apenas para
livros. Tímido, pego o meu Samsung C276L vermelho, de abrir e fechar, ‘furtado’ de minha mãe. A minha segunda passagem pelo Rio de Janeiro resume-se a digitar mensagens curtas, sem sentido, como a dar satisfação dos meus passos. "Olha, você não está aqui, por isso mesmo eu não aproveitarei nenhum momento, tá bom? Te amo, é mentira, mas fui muito bem condicionado", escreveria hoje, se tivesse a oportunidade.
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Usávamos as mochilas como travesseiros e Tadeu, após a ingestão de meio litro de energético tentava, de todas as maneiras possíveis, chamar a atenção das meninas. Acervo Pessoal, 2013. |
4
Antes de sairmos do Aeroporto-vulgo-hotel, pagamos uma taxa
aviltante para guardar nossas mochilas e malas; temos pouco menos de 24 horas
para pegar as coisas antes que seja cobrado novo tributo, “temos que vir antes
desse tempo, galera”, sentenciara o Tadeu, o guia dos mochileiros de Goiânia. Com o dinheiro guardado num
‘porta-dólar’, pouco mais de trezentos reais contados, pegamos um ônibus
especial para a cidade do Rock. No ônibus, junta-se a nós um novo integrante.
Seu nome é Guilherme. Ou Gustavo. Estou quase certo que era Bruno. Fisicamente, era muito parecido com o Leandro, sem os olhos puxados e com dez quilos a mais. Hoje, quatro anos depois, Leandro pesa dez quilos a mais. “Minha
banda favorita é o Iron Maiden”, repetia o carioca sem parar, ao informar que
voltaria em uma semana para o derradeiro show. Fazia faculdade e trabalhava como call center, informações imprecisas que não tem como serem
corroboradas por vocês ou por mim.
Se há uma palavra que pode definir o Rio de Janeiro, essa palavra
seria o substantivo contraste. No
ônibus, uma minivan estilosa e confortável, sento ao lado do meu irmão.
Revezo-me, embasbacado, com à vista e com o celularzinho vermelho à mão, de abrir e fechar, da Samsung, mandando mensagens
sem parar. Como dois caipiras que éramos, entre um prédio de vidros espelhados
de um lado e muros de tijolos e concretos das favelas do outro, um “que porra é
essa” podia ser ouvido saindo de nossas bocas a cada quilômetro percorrido. O ônibus continuava a rodar, e a
impressão que ficara é que a viagem durara quase duas horas. Já na fila, depois de andarmos pouco mais de 3 mil milhas, ou a distância da Vila dos Hobbits à Mordor, pouco antes
do meio dia, fazemos um acordo tácito, o de não abandonar às meninas. Ideia que
partira, obviamente, do senhor Tadeu. “Cara, a Alessandra é palmeirense”,
comenta, super empolgado, provavelmente a imaginar um casamento entre eles, ao
som de Nothing Else Matters³.
Amigo, pare de ler estas linhas e faça um teste. Digite
‘Cidade do Rock’, no Google Imagens. Panorâmicas, super instalações, imagens
em alta resolução, pessoas felizes. É isso que o jornalismo cretino mostra,
muito bem, obrigado. Mais, jogue no mesmo site o termo ‘Vila Autódromo’, e terá
imagens do local em que aqueles que participam do maior festival do país são amontados, por
horas, numa fila homérica, debaixo de sol, chuva, calor ou frio. Para espanto de todos, menos o nosso, já calejados, há um esgoto a céu aberto que percorre a comunidade. Gigantescas Vitórias-Régias regem o local, soberanas. “Puta que
pariu, não vão liberar essa porra, não?”, grita, à frente, um homem com sotaque
carregadamente gaúcho, enrolado à uma bandeira do Grêmio Esporte Clube. Logo mais, o
batalhão de choque do Rio de Janeiro começaria a bater nas grades de ferro que
separava-nos da civilidade. Faltam pouco mais de 4 horas para a liberação dos portões; como na Roma antiga, não sabemos, entretanto, se somos os gladiadores ou os leões a espera dos massacres
E eles se abrem; o ‘efeito manada’ tem início. Leandro,
mais uma vez, ficaria tentado a abandonar os amigos. Às pessoas passam aos
trambolhos e fazemos um cordão de proteção em volta delas. Ao mesmo tempo,
mando mensagens para Bob, em Goiânia, "Amor, eu não te amo, mas cumpro aqui o meu papel social, tudo bem? Beijos, te amo!", foi um relacionamento conturbado, eu sei. "Como você era escroto", ouço vozes a me julgar, neste exato momento em que você perscruta os olhos por estas linhas. Sim, era, e, infelizmente, ainda sou. Aceite. As meninas correm de mãos dadas, e
sairiam na página oficial do evento. Decidimos, também, de forma mútua, abandonar a ideia
da grade. Ficamos a cerca de 50 metros das instalações principais, ao lado das bugigangas das emissoras de TV e iluminação. De alguma maneira, nos perdemos
dos nossos mais novos melhores amigos. Amanhã (18), fará quatro anos e um dia
desde que nos vimos pela primeira e última vez.
“Olha ali, a Alana”, o Leandro grita. Entro em desespero,
pois se trata da minha ex-namorada. Se Bob da Silva Sauro souber, provavelmente
estaria solteiro no mesmo instante. "Céus?!" Me pergunto, hoje, porque impedira o Leandro de chamá-la?. Mais a frente, “VAGABUNDA!”,
gritava o Tadeu, a cada aparição da Ivete Sangalo nos telões do festival. Foi
engraçado da primeira vez, da segunda, e até na quarta tentativa, ele conseguira arrancar
risadas das pessoas a nossa volta. Duas horas depois, entretanto, olhavam-nos com
ódio e raiva. “Caipiras”, provavelmente pensavam. “GOSTOSA!”, repetia ele, no
mesmo esquema anterior, na aparição de Beyoncé a rebolar em 'Sweat Dreams'. Faltar-se-ia pouco mais sete horas para o grande
momento de nossas vidas, e o “vagabunda” e “gostosa”, pouco a pouco, foi
deixando de ser ouvido.
Durante
o evento, o bom e velho sistema capitalista propiciava à exploração de seus trabalhadores.
Também, permitia que marcas fizessem propagandas em formas de ‘brindes’,
distribuindo balões com seus logotipos e pulseiras que brilhavam. “Ôh o o ô, Ôh o o ô, Rock in Rioôo”, era
entoado de cinco em cinco minutos, causando-nos vertigens e náuseas. Uma corda
de tirolesa fora instalada próximo às nossas cabeças, talvez uns quinze metros
acima e a direita, com pessoas babacas à fazerem os ‘chifrinhos’ do Dio - ex-Black Sabbath, hoje residente permanente
do Forest Lawn Memorial Park, Los
Angeles, Califórnia, Estados Unidos da América (EUA)-, enquanto desciam. Como
boas pessoas sem noções que éramos e somos, começamos a arremessar um dos brindes, a pulseira
que brilhava em uma cor laranja de ‘Itaú, feito para você’, naqueles vários filhos de
várias putas. Para ser mais preciso, Tadeu, sempre ele, tivera a brilhante
ideia. Mais uma vez, o efeito manada. No crepúsculo da tarde, um pisca-pisca
alaranjado infernal iluminavam a cena. Um “AÊEE” era ouvido a cada objeto que
cumpria com o seu objetivo inicial.
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Estávamos
num imenso descampado, uma espécie de área de golfe em progressão geométrica. Monstruosas estruturas
delimitavam os palcos, dois, o sunset e
o principal. Além, roda gigante, a já avacalhada tirolesa, barracas de fast foods e banheiros químicos, uma
horda deles, completavam a cena. As pessoas eram todas iguais. Vestidas de
preto, acessórios de metais, piercings
e tatuagens; cabelos descoloridos para as damas; grandes, soltos ou presos em
rabos de cavalo para os homens. Ali, éramos seres desprovidos de
individualidade. Minha
memória prega-me peças. “Quais foram os shows do dia 19 do rock in rio 2013”,
digito no Google. “A Nation Built On
Sweat / A Nation Built On Blood / A Nation Built On Dreams / Before The Tongues
Are Mute / Before They Hide The Truth / We'll Be The Ones Who Speak4",
começa Sepultura, naquela noite acompanhados do grupo de percussionistas
francês Tambours Du Bronx. O som é do
‘caralho’, e a cada batida de percussão, junto aos riffs de Kisser5, arrepiamo-nos todos. Olho para o lado, meu irmão ‘batia cabeça’ descontroladamente,
dando-me, assim, permissão para aproveitar o show. O cansaço começa a bater,
começamos, também, a ter pequenos apagões durante a música.
Não dormi,
desmaiei por três músicas. Quando seus olhos começam a doer, pelo hercúleo
esforço de tentar mantê-los aberto, quando começar a sonhar; delirar; mesmo
vendo pessoas à sus volta; quando não mais suportar e simplesmente ceder; chegar; chegou, ao limite. (LIMA NETO, 2016, p.1).
“Vão
tomar no cu, seus filhos de uma puta”, gritava, adivinhe quem, Tadeu, quando Papa
Emerituss subira ao palco. Banda
sueca satanista, seus integrantes cantavam a caráter, uma música lenta, chata,
acompanhada de muitas vaias. “Vão tomar no cu, seus filhos de uma puta”, continuava
o Tadeu, aos berros, arrancando risos da multidão. Éramos, de certa maneira, os
palhaços das pessoas à nossa volta. Felipe tentava dormir, encostado na
grade, como que psicografando ao estilo Chico Xavier. Um dos caras da
produção, alto, cabelos longos, barba e óculos escuros, achara aquilo muito engraçado, e, aos sons dos xingamentos tadeusianos, tirava uma foto atrás da
outra da cena. No telão, uma menina com os seus dezoito anos esperneava e chorava, ao
segurar uma faixa que dizia “leve minha alma, Papa”, ou algo num estilo tosco assim. “Ah,
vai tomar no seu cu, vagabunda”, repetia meu amigo, e todos ríamos, gargalhávamos. Exceto Felipe, Felipe dormia um sono profundo, distante. Mando uma mensagem para Bob
da Silva Sauro, e falo do show e tudo mais. Recebo um simbolozinho de
desaprovação ( --‘ ), fico puto e paro de respondê-la por um bom tempo, não o suficiente. No
fim, Ghost B.C foi vaiado em todas
as músicas, por quase 80 mil pessoas, de forma ininterrupta. Enquanto o vocalista agradecia, após o
último encore, Tadeu dava o tom da noite para o grupo sueco. “Vão tomar no cu,
seus filhos de uma puta”, disse. Não pela última vez.
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A qualidade da imagem é ruim, mas o momento, inenarrável. O mesmo cara que ria do grupo, enquanto dormíamos ao som de Ghost B. C. tirou, de forma gentil, a fotografia. Arquivo Pessoal. |
Alice in Chains viera
em seguida. O esgotamento físico, também. Batera, com força, e não sobrava ânimo
pra muita coisa. Banda oriunda da cena grunge de Seattle, por um fio não acabou quando Layne Staley, seu ex-vocalista, se matou,
em 2002. Substituído de forma magistral por William
DuVall, não há o que falar da passagem da banda pelo Rock in Rio, que não
passara dos cinquenta minutos de apresentação e deixar-nos-ia muito mais
empolgados que o tão aguardado Metallica, por exemplo. É certo que tocaram Would e Man in The Box, e que pulamos tão alto que conseguiríamos, se
quiséssemos, tocar o céu com as mãos.
Era
muito mais que meia noite, quase duas da manhã de sexta-feira (20). Não havia
mais espaços para “Gostosas”, “Vagabundas”, ou “Vai Tomar no Cu”. Estávamos
famintos, com sede, e, para ser sincero, pouco aproveitáramos dos shows até então. Quando se tem depressão, os seus pensamentos encontram caminhos
naturais para alienar-te da felicidade; inclusive, da felicidade nas coisas mais incríveis. Apesar disso, da introdução de The Ecstasy of Gold, rendemo-nos, rendi-me;
lágrimas, em todos os quatro, comeaçam a cair copiosamente. Hit the Lights; Master of Puppets; Holier Than Thou; Harvester of
Sorrow, seguido de um de guitarra de Kirk
Hammet; The Day That Never Comes; The
Memory Remains; Wherever I May Roam; Welcome Home (Sanitarium); Sad but True;
...And Justice for All; One; For Whom the Bell Tolls; Blackened; Nothing Else
Matters; Enter Sandman; na sequência um encore
com Creeping Death; Battery e Seek &
Destroy.
De
forma óbvia, não há memória que sobreviva a estas informações, muito menos a de
Talese, o Gay; buscara no Google o set list. “Velho, puta que pariu, eu
acho que acabei de desmaiar na Master of Puppets”; “Porra, mano, eu
simplesmente apaguei na And Justice”; “Não, não, na And Justice eu fui pra
rodinha de Hardcore, você não viu?”;
“Tadeu, vá se foder, velho! Você era o único que sabia a letra! Nem o James
[vocalista da banda] sabia”. Depressivo, meu sentimento diante do show não foi,
de forma alguma, positivo. Mais fake ainda,
era a minha reação, constante e obsessiva, diante de Bob e o celularzinho vermelho, de
abrir e fechar, da Samsung. “Eu te amo”, digitava entre uma música e outra, querendo dizer,
na verdade, “Não estou nem aí pra você, só me sinto culpado por não ter gastado
todo o meu dinheiro para você estar aqui estragando algo que já é ruim”, algo que, hoje, gostaria de ter dito muito antes; antes, inclusive, de chegarmos ao ponto de em cada parágrafo de um texto qualquer destilar mágoa e rancor.
Escrevera, há pouco,
que não víamos os meninos do Rock in Rio há quase quatro anos. Mentira, e é
engraçado os caminhos pelos quais nossa memória envereda-nos, distantes, quase
esquecidos, mas que, se estimulados, conseguem nos trazer uma riqueza de
detalhes tão grande que poderia aqui, se quisesse, descrever o cheiro ou os
gostos disso e daquilo. O cheiro era de grama recém-cortada e molhada; o gosto
era o da morte, da desilusão conhecida, também, por fome; fazia horas desde uma
refeição principal decente, com nossos estômagos à produzir sucos gástricos,
numa espécie de auto-fagocitose para dar-nos forças de manter-nos em pé, muito
bem, obrigado. “A Hila foi correndo para o aeroporto”, informara a
menina-palmeirense, fã de Alice in Chains, ao se referir à moça do cabelo
vermelho. “Do caralho!”, era a única coisa que ela conseguia repetir, sempre que
falava da experiência de sua banda preferida.
O voo do meu irmão, Felipe – o bravo, era em poucas horas
também. Não de férias como eu, agendou uma folga – quinta-feira (20), doara sangue na
quarta (19), e trocaria de horário na sexta-feira (21) para poder estar ali. Sim, em jejum e
com quase 10 % a menos de fluídos corporais, estava de pé, mais parecia um
zumbi, era verdade, mas resistia, ainda, bravamente. Se não me engano, e se
estiver, você, leitor, nunca saber-se-á, é neste momento que, pensando em como
ir ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro embarca-lo, pagamos por uma
carona, ou R$ 60, 00, da cidade do Rock até o desgraçado local. “Vocês são sete? Não tem
problema não, podem ir no porta-malas”, falava o motorista, com aquele sotaque
chiado característico de todos e qualquer um. “Vocês são de Goiânia”, perguntava, com um
sorriso nos lábios, quando a turma de Goiânia abriu a boca pela primeira vez.
“Não, aqui é bem tranquilo de morar e de viver, cê tem que fazer seus corres, é lógico, mas eu gosto daqui”. O
assunto do porta-malas era o show. Eu, entretanto, alheio ao mundo, digitava em meu
celularzinho vermelho, de fechar e abrir, da Samsung, como um escravo, dando as coordenadas e descrevendo, com
mais detalhes que o deste texto, o que fazia para Bob da Silva Sauro, à época, [infelizmente]
a minha namorada.
Chegamos ao aeroporto e o carro arranca, à procura de
corres para a sobrevivência da família do motorista. Como zumbis, exaustos,
procuramos um local para repousar. Lembro que no Rock in Rio anterior o fizemos
no gramado do supermercado Extra, simplesmente deitamos e dormimos. Hoje, lá no
aeroporto, “Tem uma capela aqui, e tem bancos!”, alguém grita. Foi um sono
abençoado! As pessoas entravam e logo saiam, ao verem aqueles jovem-adultos,
como usuários de cracks, a repousar
naquele local santo, numa clara demonstração de blasfêmia. Um pouco antes,
“Puta que o pariu, as malas!”, gritara o nosso guia dos mochileiros de Goiânia. “Cara, o nosso horário passou tem
pouco menos de vinte minuto, será que precisamos pagar uma nova diária?”. Sua
reação foi de dor e desespero quando o rapaz dissera que sim, vão ter que
pagar, se foderam e me passem logo os quase R$ 90 reais. O rosto do funcionário
brilhara, como que dizendo “eu não vou declarar essa merda de taxa extra, seus trouxas!”. Resignados, embarcamos
o meu irmão ao som de “cuidado”, com inveja por este estar indo pra casa e nosso voo
ser apenas amanhã, quase às 16 hs.
Antes, nos despedimos dos garotos de São Paulo. “Vamos
marcar de assistir um jogo no Palestra Itália qualquer dia desses”, sugeria o
Tadeu, concentrando, agora, todas as suas forças na arte de conquistar a menina
sobressalente. Acho que ela não dera muita atenção, e concordara, apenas, por
estar coagida; Tadeu já tinha quase dois metros de altura, e, a dois dias sem
dormir, uma cara de louco e psicopata com sotaque do
interiorrr. No fim, agora, enquanto escrevo estas linhas, olho o calendário e
percebo que tudo isso acontecera há exatos quatro anos; A impressão que fica é
que foi em outra vida, outras pessoas e preocupações. Há pouco mais de quatro
anos despediamo-nos deles, amigos de grade, logo após o almoço mais
constrangedor de nossas vidas.
O local era o Aeroporto Internacional Tom Jobim. Lá, três
pães de queijo não custam menos que R$ 15 reais, em promoção e amanhecido. Às
pessoas se vestem bem, quase sempre ternos e blazers e gravatas e saltos altos.
Usávamos bermudas, camisetas surradas de bandas, não tomávamos banho a pelo
menos dois dias, com a barba por fazer e perdidos e sozinhos. Nossa cara
delatava angústia. “Quero minha mãe”, podia ser lido como numa tatuagem, gravada
de maneira profunda em nossas almas. Não sei de quem fora a ideia, afinal,
estava, como sempre, digitando no celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Samsung, “Compramos
marmitas”, ele diz. “Fica menos de R$ 15 reais pra cada”, completa. Pagamos.
Acho que o Tadeu pagara a minha. Minha passagem e um monte de coisas mais. Não
queria trocar um dinheiro, argumento totalmente sem lógica, e ele, estudante de
engenharia, como sempre se fodia nessas questões financeiras. [Desculpas,
velho! Te devo uma cerveja, ou duas. Ou cinco, contando aquela que já deveria ter sido e
nunca fora paga].
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"Vocês são de Goiânia", pergunta, interessado. Eu não respondo, olho para baixo, para meu celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Samsung. "Por um momento, achei que você era aquele menino, qual o nome mesmo? Fiuk", responde a si mesmo, achando que fazia-me um elogio. Acervo Pessoal. 2013. |
O problema não era comprar as marmitas. O problema era andar
com elas por todo aquele lugar de pessoas da zona sul, à olharem para você e
seu grupo como se fossem lixos humanos. “Vocês não podem comer aqui”, falavam,
ao nos expulsaram dos lugares algumas vezes. No fim, um guarda liberou. A
comida era horrível, e preferi a fome a comer aquilo que carregava um gosto
acre de morte e câncer. Os meninos de São Paulo agora foram, de forma
definitiva; “até logo, até mais ver, bon
voyage, arrivederci, até mais, adeus, boa viagem, vá em paz, que a porta
bata onde o sol não bate, não volte mais aqui, hasta la vista, baby, escafeda-se, e saia logo daqui”.
A missão agora é outra; cobrir os 21 quilômetros que
separavam o aeroporto que estávamos, deixar o Leandro no aeroporto Santos
Dummont e voltar ao Galeão, tudo isso sem carro, gps ou muito dinheiro
disponível. Sábado passado (16), enquanto dirigia-nos a casa do Leandro,
conversávamos a respeito. “Velho, vocês lembram do cheiro do pé do Leandro?”, o
Tadeu começa, gargalhando muito alto. “Cara, aquilo tinha cheiro de carne
putrefata”, continua. Minha esposa Bruna olha-nos, com cara de nojo. O Felipe
também, já que não tivera o (des)prazer de vivenciar essa parte, até esse exato
momento carente de detalhes e explicação. Em 2013, trocamos de roupa da melhor forma que
fora possível, e o Leandro trocara os habituais tênis pretos por sandálias
confortáveis, de dedos. O problema era a sua ferida no pé, e
depois de quase 36 horas com ele, pé, fechado, a cozinhar em fogo lento, um cheiro
absurdamente insuportável emanava dali. “Cara, acho que seu pé vai cair”,
falava o Tadeu, convicto. “Não, mano, tá de boa, é só chegar em casa e passar
um remédio”, respondia, constrangido, ou normal. Não dava pra sacar essas coisas do nosso amigo Leandro.
Do Galeão, tomamos um coletivo rumo ao Santos Dummont,
destino final do Leandro no Rio de Janeiro; seu primeiro voo embarcaria por volta das nove
horas do dia seguinte, o outro, só Deus sabia quando. Tínhamos tempo, e fomos avisados que o coletivo tal passava por lá. “Pega o ônibus aqui,
de lá, faça integração”, falou alguém, dono da verdade absoluta por não termos
parâmetros para medi-la. Os detalhes desta narrativa agora tornar-se-ão
obscuros. Parafraseio Suassuna, “Não sei, só sei que foi assim!”, em O Auto da
Compadecida. De alguma forma, fomos parar no Calçadão de Copacabana, expoente máximo do Rio de
Janeiro, junto ao Cristo Redentor e o Maracanã lotado, pela torcida do
Flamengo. A cena é de novela das 8 da Globo. Pessoas a correr, de biquínis e
shorts, levando seus cães em coleiras. Casais de bicicleta. O famoso futevôlei de
praia. As mulheres esculturais e seus micro biquínis. Tudo isso, à parte, já
que nossa aparência imputava-nos a condição de favelados. “Quanto que custa o pó”,
perguntara um playboy da zona Sul. “Oi?”, perguntei, quase que com vontade de
chorar. “Pó, Cocaína, quanto tá?”, insistiu. “Não trabalhamos com isso, não”,
respondeu, de forma digna, o indignado Tadeu. Hoje tenho certeza que ele
quebraria a cara do filho da puta. Com a minha ajuda, claro.
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Ali, com os meninos a banharem-se de roupas no mar de Copacabana, com à luz do crepúsculo a refletir inocência; o Pão de Açúcar a frente, a Cidade Maravilhosa a nos circundar, era impossível não pensar ou cogitar, de alguma maneira, da existência de algum Ser Superior. "Não é preciso morrer para ver Deus", já rimava Crioulo, em 2011. Imagem de Internet. |
Na praia, os meninos tiram os tênis, as camisas e entregam-me tudo. “Você não vai entrar?”, perguntam, incrédulos. Olho pra eles com os olhos arregalados, "é claro que não", respondo. Entro na areia da praia, meio branca, meio amarelada, o crepúsculo a deixar tudo turvo, etéreo. De tênis, vejo a felicidade dos meninos enquanto correm e se jogam no mar, com as mesmas roupas que iram embarcar logo mais. Estão felizes, mas ali, não consigo lembrar da última vez que fui também; o sentimento me é distante, não me pertence. No horizonte, o Pão de Açúcar. Acho que consigo divisar, longe e minúsculo, a imagem do Cristo Redentor. O urbano com a natureza se completam de forma soberba e, ao olhar a praia, o mar, o pôr do sol, os morros e respirar tudo aquilo de uma vez, até quase sufocar-me sem ar, mas cheio de vida, torna-se, pra mim, ali, impossível não acreditar em Deus ou em algo equivalente.
Por algum motivo que não consigo lembrar – e não há tempo
para mais nada, nada! – era tarde da noite quando finalmente conseguimos pegar
o ônibus, rumo ao destino planejado. “Nossa, pessoal, como vocês deixam pessoas
assim entrarem”, era possível ouvir dos demais passageiros, em diferentes tons,
mas com o sotaque chiado tradicional. Um vendedor ambulante fazia sinal do lado
de fora do ônibus; entrava; dava um dos produtos que vendia ao motorista; este,
liberava a catraca; o vendedor vendia o que tinha que ser vendido; descia; Um
vendedor ambulante fazia sinal do lado de fora do ônibus; entrava.
“Pra onde vocês estão indo, meus anjos”, perguntara o
cobrador, que era uma mulher, loira, gorda e simpática, ao ver nossa desilusão.
“Ô Motorixta, esse baú não passa no
Santos Dummont não, né?”, o sotaque lembrava, muito, um rádio sem sinal. “Não
passo lá na porta, não! Quem foi que falou isso pra vocêx? Passo numa rodovia
próxima, faz o seguinte, quando tiver perto, desço e vocês descem. Mas vão
correndo que é perigoso”, disse o motorista das dicas salvadoras. Descemos, estava escuro e o aeroporto deveria estar
há pouco mais de 1 km de distância. Chegamos. Os seguranças tentavam nos barrar.
“Vocês não podem entrar aqui numa hora dessas”, dizia o armário n°1. Já
resignados, o Leandro e eu conformamo-nos com a ideia de dormir do lado de
fora, na grama gelada. “Cês tão loucos? Vamos embarcar amanhã pela manhã”,
argumentara meu palmeirense preferido. Palmeeeeeiras!
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Após o show, exausto de todas as maneiras possíveis, deitamo-nos no chão, ali mesmo, onde, minutos antes, o ritual de devoção para aquela instituição de nome Metallica acontecia. Como num pacto, unimo-nos aos presentes dos 'empurra-empurra', 'esmaga-esmaga' da grade, das cotoveladas e afins. Deitamos, dormimos, sonhamos. De alguma forma, estávamos no paraíso, ao som dos 'Tallica Boys. Imagem de Internet. Reprodulção. |
Mais constrangedor que o Galeão, as mulheres da limpeza
faziam-nos mudarmos de lugar o tempo todo. “Vocês não podem dormir”,
disseram, e na minha paranoia-esquizofrênica da época, ficava o tempo todo
acordando-os, entre as minhas próprias cochiladas. “Vocês não podem dormir”,
dizia, desesperado, numa cantilena irritante que nem eu conseguira seguir à
risca. O celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Sansumg, há tempos ficara sem bateria. Na minha paranoia-esquizofrênica,
entretanto, lá estava eu, a apertar o já desgastado botão verde tentando
liga-lo. Pouco antes das seis da manhã, os funcionários e passageiros começavam a
chegar. “Vocês têm um baseado, tem?”, perguntavam as duas secretárias loiras, com
caras e maquiagem de putas baratas, ao tentar fazer piadas sobre o nosso estado
lastimável. Hoje, prefiro pensar que foi coisa da minha imaginação, fértil e
frágil, sedenta por lítio.
O Leandro não se importava muito, monopolizava a área dos
carregadores e o cheiro de carniça (desculpas, Leandro!) do seu pé, afastava
concorrentes. Via ‘Beaves and Buttread’ no celular. “Eu baixei uma temporada
inteira”, me respondeu, aos risos que se misturava àquelas vozezinhas toscas dos
personagens. “Toma aqui R$ 20 reais”, entregamos pra ele, "caso queira comer
alguma coisa no caminho". Sim, acreditávamos que esse valor salvava vidas. Hoje,
quatro anos depois, levo essa máxima como filosofia de vida.
Voltamos para o Galeão, e no caminho de volta o Tadeu é
obrigado a me aguentar, mais uma vez. “Não vai dar tempo, não vai dar tempo, vamos perder o ônibus,
velho, porque não saímos mais cedo?”. Hoje, tenho absoluta certeza que deve ter
sido uma das piores experiências para ele, ali, comigo, como uma criança com
alto grau de retardo mental. Meu celular vermelho, de abrir e fechar da Samsung, está na mão, sem bateria. No
avião, comemos bolachas e tomamos refrigerantes da companhia área. Estou do
lado de uma família. Tenho a impressão de que nunca mais vou conseguir dormir
na minha vida. O homem me cutuca, querendo passar, apertado. Peço desculpas,
olhando para baixo, óbvio.
Fazemos uma parada em Campinas ou Guarulhos. Me perco do Tadeu
e sou salvo, por ele, na “chamada final para o voo X”. Chegamos em Goiânia,
finalmente, e minha mãe me espera, junto ao meu padrasto. Havíamos combinados
de esperar pelo Leandro, que ainda demoraria muito a chegar devido as infinitas
conexões que fizemos para economizar nas passagens. Minha mãe, daquele jeito
expansivo e cuidadoso, leva o Tadeu para comer em algum lugar, contra a vontade
dele, é claro. Deixa ele ali, e eu, amigo desgraçado, o abandono, à mingua,
apesar de tudo que ele fizera por mim durante a viagem. Hoje, escrevo essa cena
envergonhado, prometendo, pra mim mesmo, que pagarei mais uma cerveja para ele.
Graças a Deus, no mundo dos adultos, tudo se resolve assim com o pagamento de bebidas dotadas de um alto teor alcoólico. Na casa
da minha mãe, como frango ao molho. Estava bom, mas paranoico que estava, não
sentia muito o gosto da comida. Coloco finalmente o celular pra carregar.
Enquanto ele liga, fico girando meu celularzinho vermelho na mão, de abrir e fechar, da Samsung, sem conseguir sustentar
os olhares de “Como foi o show?” de Mamãe e Abel, o padrasto. Fico, então, a pensar em como explicar que ficara sem
bateria durante tanto tempo, numa cidade antes inóspita que maravilhosa, num evento que é antes uma tortura que uma festa. Ainda, penso, também, nos esporros que tomar-me-ia, logo mais, ao falar com Bob da Silva
Sauro, minha então namorada, por telefone.
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Celularzinho vermelho, de abrir e fechar, da Samsung. Imagem de Internet. Reprodução. |
NOTAS
1.
Título de uma canção do Metallica de 1981.
2.
Quarto álbum do Metallica, lançado em 1987.
3.
Principal single do álbum Metallica, também
conhecido como o disco preto, de 1991.
4.
Trecho da música Sepulnation, da banda brasileira Sepultura.
5.
Guitarrista do Sepultura, são paulino fanático,
o que, para este escritor, caracteriza falha de caráter.
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