24set2017
24set2017
[Sinestésico] BU-RO-CRA-CIA
Por
João Moreno
1
Meu deadline termina
às 10 hs do domingo (24). Passam-se 2 horas e 28 minutos do prazo final e ainda não tenho
pauta, ideia ou ânimo para escrever sobre qualquer coisa. Agora, no Google, pesquiso se prazo final é, ou não é, um pleonasmo. Essa
introdução terminaria aqui, e estaria feliz com ela, agradecendo todos os dias
por possuir “um senso de humor que precisa de referências bibliográficas”. Este trecho, entretanto, possui menos de quatro linhas e a estética de um texto, pra mim, vai muito além da coesão
ou coerência, da poesia ou sentido, da escrita, edição, "corte de
advérbios, não repetição de palavras, do cuidado com as vírgulas, das frases
curtas, por favor! Parágrafos, também". Passa, também, em nunca escrever
um parágrafo com menos de quatro linhas. Idiossincrasias, entende?
2
Apesar do insuficiente contato, Neil Gaiman já tornara-se
um dos meus escritores preferidos, um de muitos, é verdade. Seu conto Os Outros,
compilado na coletânea Coisas Frágeis, de 2010, é o meu preferido de todos os
tempos. Nele, o autor vai fazer uma releitura de inferno, punição e vida após a
morte pautado na repetição de palavras, ideias e lugares. “O tempo é fluido
aqui”, começa, e esta expressão vai te perseguir muito além do ponto final.
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Fotografia retirada de uma campanha institucional do Inferno sobre a Terra S.A. Na imagem, a representação do slogan "feito para você e sua família". Imagem de Internet. Reprodução. |
Jogado a um canto, num envelope pardo
com mensagens incentivadoras de minha esposa, está a minha tentativa de escrever sobre esta
temática. Não tive influência de Gaiman, e durante quase 80 páginas escrevi
sobre um inferno um pouco diferente do habitual. Minhas últimas aventuras no
banco – Instituição Burocrática S.A -, também, far-me-ia retificar os milhares de caracteres escritos de forma desordenada e esquizofrênica por mim, há quase dois anos.
Ainda e por último, se o cartão de crédito de Gaiman fosse, também, daquele “banco feito para você”, os instrumentos de tortura em seus textos
não seriam chicotes ou açoites, mas tickets com senhas, bancos de espera e
guichês vazios. O tempo; lá, líquido, difícil de quantificar. Neste inferno de
nome Banco na Terra; espesso, denso, eterno, com aqueles funcionariozinhos mestres
na arte da tortura, também conhecida como arte da espera,
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A expressão alegre e cordial do Gerente. Pode ser estendida, também, aos funcionários do guichê, da segurança, da limpeza. Imagem de Internet. Reprodução. |
3
"Seu cartão ainda não chegou, vai chegar pelo
correio", diz, com cara de sono e voz de tédio. É a mesma senhora do meu
último atendimento, há quase um mês. Um arrepio na espinha me domina quando
lembro daquele dia DESGRAÇADO. "Previsão? Não tem, era pra ter chegado...", ela termina.
Nossa conversa dura menos de um minuto. Olho no celular, 16:13 hs. Olho no meu
comprovante de entrada do inferno, vulgo 'Comprovante de Atendimento Caixa',
"15/09/2017, hora de chegada: 15:01 hs, (horário local). Ao sair, e passar
por aquela porta giratória que alimenta-se do constrangimento do tirar
desodorante, chaves, óculos, livros, remédio da bolsa, lembro da cena do Clubeda Luta; dos prédios implodidos e tudo mais. Imagino aquilo acontecendo bem
ali. Meu estado de espírito é de tamanho desalento que não me importaria de
estar nas dependências desta DESGRAÇA quando as estruturas balançassem, com o pó e entulho como únicas lembranças da dor causada ali, por aqueles. Vou pra casa,
tenho que escrever um texto num tom tragicômico sobre a tarde, linhas que ninguém lerá, sabemos. Ao atravessar a rua, vejo uma pedra de um bom tamanho na esquina. Cutuco-a com pé, e deduzo que esta tem de três a quatro quilos. Olho para as janelas espelhadas, de cinco a seis metros de comprimento. O nosso programa de hoje a noite já fora definido.
Borges imaginava a livraria uma espécie de paraíso
particular. Lima Neto (2017), entretanto, determinaria ser o Banco, qualquer
banco, seja público ou privado, a representação do Inferno na Terra. Satanás, o
gerente. Aquela 'telazinha' de LED que trabalha quando quer, porque sim, o
suplício eterno; chama-se a senha A 37, A 45, A 7838, em detrimento da K 04.
Ainda, a má vontade dos 'trabalhadores' (aspas simples, sim! Trabalhar pouco
mais de seis horas, ganhar um salário absurdamente irreal se comparado ao
trabalhador médio brasileiro, além, é claro, do levantar da cadeira a cada três
minutos).
Para piorar à situação, e fazer-me desejar ardentemente -
pegaram o trocadilho? - o inferno com seus mares de enxofre, tem-se aqueles
inúmeros guichês vazios, setecentas pessoas na fila e, de maneira irônica, como
se empalados pelo tridente de Satanás, aquela mensagem. "Bom para
todos", "Esse banco já é seu e pode ser ainda mais". Se assim
for, caro Banco da Burocracia Burguesa, expropriar-me-ei sua(s) propriedade(s),
não para a coletivização do capital, pelo contrário, só pelo prazer de ver o
fim de um câncer que é ter que esperar quatro horas numa fila para ser atendido
em menos de um minuto.
Ainda, entre minha alma para Lúcifer e não ter que frequentar às dependências daquele lugar, que cheira à morte do espírito e a ansiedade, Shaitan, meu amigo, onde eu assino?
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Inferno (séc. XVI), óleo sobre madeira, mestre português desconhecido, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa. Ou o banco na esquina de casa, de segunda à sexta, das 8 hs às 16 hs. Reprodução. |
4
Para os religiosos desta Timeline¹, não acredito em nenhuma
linha do que escrevi. Para aqueles que chegaram até aqui, perdoe-me por fazer
perderem vossos tempos. Mais, se algum homem do Estado Islâmico estiver a ler
estas palavras, saiba que há um Banco na esquina da rua 6-A, n° 56, Avenida
Independência, setor Aeroporto, Goiânia, Goiás. Brincadeira, rs.
Post
scriptum
Escrevi, há pouco, um desabafo sobre a instituição Banco,
ou a agiotagem legalizada via Estado e empresas privadas. O texto foi tão
cretino como o atendimento ofertado por eles e, em tempos de redes sociais, não
poderia deixar de publicá-lo na linha do tempo da referida propagadora de dor e
miséria. Mas estas palavras direcionam-se à outra questão. Da eficiência das
Assessorias de Comunicação, e da sua constante missão em evitar crises junto a
clientes e possíveis. Enfim, nossa querida professora de Assessoria de
Comunicação e Planejamento de Comunicação Integrada Gabriella Luccianni ficaria
orgulhosa da iniciativa deles. Pena que no Banco do Brasil, o "banco feito
para você", apenas os jornalistas sejam eficientes.
NOTAS
1. O texto fora escrito, originalmente, para o Facebook
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