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[Sinestésico] Por mais que queira escrever sobre meus autores favoritos, acabo sempre, de certa maneira, por falar de mim mesmo - Três Leitoras

06ago2017

[Sinestésico] Por mais que queira escrever sobre meus autores favoritos, acabo sempre, de certa maneira, por falar de mim mesmo

Por João Moreno

Jean Perdu concordaria comigo: livrarias são lugares mágicos, excepcionais. Num shopping, é um dos únicos lugares que consegue despertar-me à atenção, além, é claro, daquela bendita praça de alimentação, com o seu Burguer King e os seus dois Whopper’s a R$ 15 reais. Gosto de ir à livraria. Sempre que possível, despeço-me de minha esposa à porta da ‘forevertuenriuân’,- aqui, leia-se a loja de departamentos Forever21 -  o seu equivalente ao nirvana particular, e deixo-me perder entre os grandes, às grandes estórias: guerras, intrigas, devassidão, amores perdidos e conquistados. Poderia passar horas ali, dias. Em meus devaneios, vejo-me com um travesseiro, um edredom, lanterna e o silêncio de um shopping já às escuras, aprecio, então, o prazer de estar ali, apenas folheando, respirando o mesmo ar de Imortais, numa espécie de “bálsamo especial para alma”. Passo a enxergar, de certa maneira, a “liberdade com asas de papel”.
Em lugares assim, coisas mágicas e excepcionais geralmente acontecem. Lá estava eu, apreciando, de forma distraída, uma nova edição do livro escrito pela J.K. Rowling, um tal de Harry Potter, conhecem? Uma mulher me interrompe. Aparentemente nervosa, com o livro ‘Os contos de Beedle, o Bardo’, na mão, dá início a um diálogo estranho e encantador. “Oi, tudo bem? Não queria te atrapalhar e já estou te atrapalhando, ai, meu Deus”, começou a senhora. Ainda tentando entender o que acontecia ali, ela prosseguiu. “Eu vi você folheando esse livro e gostaria de uma ajuda: meu filho tem 13 anos e precisa ler um livro para a escola. Você pode me ajudar a escolher alguma coisa pra ele?”
Não sei porquê, mas de repente, um branco acometeu-me: não sabia o que responder. Nomes como García Márquez e até Dostoievsky povoaram minha mente: mas porra! Quem lê Irmãos Karamazov aos 13 anos de idade? Deixei de prestar atenção a ansiedade da mulher. Regressei aos meus primeiros livros lidos, à minha ‘infância’ literária. Obras e comentários acerca me preenchiam. “Senhor dos Anéis? Chato demais, quase ninguém sobrevive ao Tom Bombadil, muito menos um adolescente e o seu trabalho de escola”.  “André Vianco? Violento demais. Se bem que, na idade dele, eu já atropelava senhoras no GTA: Vice City”.
Penso em King, pulo, então, para Pullman. Passo por Asimov e até mesmo Palahniuk. Já exausto, ilumina-me um trecho e diversas sensações. “As flores estão no chão, de onde não vemos o que de bom nos aguarda”. De supetão, um sobrenome se forma em meus lábios, e finalmente chego ao tema originalmente protagonista destas linhas: Matthew Quick, e aqui falo de um dos meus, e tenho muitos, escritores preferidos.
“Termino de ler o último parágrafo, a última linha. Olho a página: cento e setenta. Um número irrelevante, uma mera distração: necessária, ineficaz. E então vem. Como uma onda, um tsunami, abalando todas as minhas já frágeis estruturas. Fecho, então, o livro. Com os olhos marejados, seguro-me, respiro. Não me seguro, choro. Como uma represa com as compotas abertas, choro. O choro acaba, as lágrimas secam. Por fim, livre da tristeza, continuo a chorar. Prossigo. Prossigo à leitura de um livro tão único. Tão meu, eu, que às vezes paro e penso: deveria me chamar Leonard. Leonard Peacock”.
O trecho acima fora escrito em novembro de 2014, mas a minha relação com o escritor antecede-o em poucos meses. Conheci Quick em meados do ano de 2014, com minha vida dominada por um niilismo dostoievskiano, influenciado, em grande parte, por uma leitura traumática de Crime e Castigo. Ao incorporar a personalidade e desgraças do protagonista Rodion Românovitch Raskólnikov, “um jovem estudante que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito”, assumi à miserabilidade e irracionalidade da vida. Sem saída, há cada dia mais negro tornar-se-ia o meu mundo, e daqueles que naquele momento compartilhavam-no comigo.
“O tempo. Então. Fica. Parado”. De alguma maneira, alheio ao mundo. Por alguns meses, preso em uma espécie de pesadelo particular. Sonhava com um fim, acordado, em uma espécie de ânsia paranoica-esquizofrênica. Todos os dias os mesmos sonhos. Cansado, fechava os olhos. E tudo se repetia. E se repetiu. E aquele livrou chegou-me à mão. Não lembro como, já que à época não prestara atenção às coisas. Hoje, tudo parece-me distante, difuso, como tentar olhar através de uma janela embaçada por uma tempestade. Sei que, quase cinco meses depois, ansiando pela vida, foi como respirar pela primeira vez.
Dejá-vú, como me olhar no espelho. Tínhamos ali um personagem viciados em exercícios físicos, que lia grandes clássicos da literatura, e com graves problemas psicológicos. Ainda não acreditava em finais felizes, como Pat, mas a cada página lida, com um sorriso no rosto, Matthew Quick instaurara, em mim, à vontade de ver, na vida real, os detalhes de um próximo capítulo. Matthew Quick, o escritor que sempre escrevo o nome de maneira errada, um ex-professor na Filadélfia, com livros traduzidos em mais de 20 idiomas, fora, sem dúvidas, o meu melhor ansiolítico.
E veio Peacock, o menino-pavão, e as cartas para o futuro. Um dos livros mais sensíveis que já tive o privilégio de ler, de abraçar. De me acabar em lágrimas e sentir uma tristeza profunda por chegar à última página, dizer ‘adeus’. Em um desejo esdrúxulo, gostaria de ser agraciado com o seu esquecimento: assim, seria duplamente agraciado com a leitura de um livro que é tão... Matthew Quick. Amber Appleton e Bartholomew Neil também passaram, fincaram suas raízes. É como diria uma resenha do Booklist do então recém-publicado 'A Sorte do Agora', um dos livros do Quick, lançado por aqui em 2014. Os sucessos de seus livros, para mim, devem-se, também, aos “personagens excêntricos (e aqui, um parêntese, para a minha identificação para com todos), falíveis e intensamente humanos".
E voltando ao início desta crônica, a Silvana – descobri, em nossa despedida, que era esse o nome da mulher que procurava, desesperada, um livro para o filho -  não imaginaria quantas sensações despertara, em mim, aquele inesperado encontro. Sorridente e satisfeito, deixo-a no caixa, com um sentimento egoísta e pedante por ajudá-la. No fim, fui mais ajudado por ela: afinal, aquela indicação salvara a minha vida em determinado momento, transformara-a de muitas maneiras. Ainda sorrindo, saio da Livraria, pensando no argentino Borges, que sempre imaginara aquele lugar como uma “espécie de Paraíso”. Ainda sorrindo, eu, que não sou nenhum ‘Pat Peoples’, vou ao encontro de minha ‘Tiffany’, agradecendo à Matthew Quick, meu escritor preferido, por me mostrar que, na vida, mesmo com finais infelizes, sempre vale a pena tentar mais uma vez. 

     
Arquivo Pessoal. Reprodução. 

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2 comentários

  1. Fiquei curiosa para conhecer a história do Garoto 21!! Realmente precisamos de mais amor neste mundo, e que bom que ele Finley parecem tentar serem felizes apesar dos infortúnios desta vida!!

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