13ago2017
13ago2017
[Sinestésico] Precisamos conversar sobre a sua mania-compulsiva-obsessiva de comprar livros
Por João Moreno
Em um vídeo de
novembro de 2015, o canal de humor 'Porta dos Fundos' publicou um esquete absurdamente hilário. Nele, os
atores Luís Lobianco e Gregório Duvivier entram em uma sala. Lá, uma estante - absurdamente
linda - cobre toda a parede. Temos, então, início ao hilário diálogo.
"Daqui, quantos livros você já leu?", pergunta Lobianco. "Ler,
você diz?", um Gregório, surpreso, responde. "É, ler", continua
o primeiro. E é agora que a situação - tragicômica - toma forma. "Gente,
eu não sabia disso, não", afirma Duvivier. "É, você tem um monte de
livros...". "É que pra mim eles são mais de decoração..."Pra mim
quando as pessoas falavam "Ah, você leu o livro?", pra mim, era mais
uma maneira de falar. Pra mim ninguém lia, não". E usando desta cena
pitoresca como gatilho, convido-os, assim espero, para um diálogo. Vamos falar sobre a nossa ‘mania’ de comprar livros?
Mania. Substantivo feminino. 1. Prática repetitiva; costume
esquisito, peculiar; excentricidade. "m. de comprar livros sem ter lido os
outros duzentos e setenta e nove mil que já possuo". 2. gosto ou
preocupação excessiva com. Comprar.
Verbo transitivo direto e bitransitivo*. De acordo com o dicionário, significa “obter,
mediante pagamento, a propriedade ou o uso de”. Já para o vocabulário de um bibliófilo, e,
aqui, o generalismo foi proposital, significam encontrar maneiras e meios de
comprar livros, independentemente da quantidade dos mesmos que já temos em
nossas infinitas listas de leituras, ou daqueles que se encontram em nossas superpovoadas
estantes. Dos guarda-roupas divididos entre cuecas e ‘Palahniuks’. De armários
de Cozinha que abrigam clássicos da Filosofia. Dos Dostoievskys perdidos na casa
do irmão. Além, é claro, daqueles que foram emprestados e, por isso, esquecidos,
não mais vistos, au revoir, arrivederci.
De acordo com o meu
perfil na rede social literária Skoob,
hoje, tenho 360 livros. Destes, 233 ainda
não foram lidos. Em meu antigo perfil desta mesma rede social, já cheguei a contabilizar
cerca de 500 livros. Velho, isso é livro pra cacete. Usando como régua a
utópica meta de 4 livros lidos por mês, serão necessários pouco mais de dez
anos para ler todos os livros que um dia possuí. Acrescente à esta lista os que
compro mês a mês, aqueles presenteados à mim nos Dia Dos Namorados, Natal, ou
conquistados a base da boa, velha e eficiente chantagem emocional.
Afirmando com
uma imprecisão jornalística, gastei, em média, R$ 15 mil reais em todos os
livros que possuo. É um número bizarro. É absurdo. Principalmente
quando lembro do ônibus lotado de todos os dias. Mais absurdo, ainda, é lembrar
que em determinado momento de minha vida fiz uma única compra no valor de pouco
mais de R$ 3 mil ‘dilmas’. Que já cheguei a aguardar, em um único mês, mais de 100
livros. Ou, então, pagar um boleto de mais de R$ 700 reais. Cara, a vontade que
tenho de me socar enquanto escrevo estas linhas é grande. João, respire. Puxo o ar, solto. Sigamos.
A cerca de duas
semanas chegaram seis livros aqui em casa. Três da escritora e jornalista
bielorrussa Svetlana Aleksiévitch. O último publicado pela Companhia das Letras do George Orwell. O livro ‘Sapiens, uma breve história da humanidade’. E o quarto volume da narrativa de Eric
Hobsbawm, 'A Era dos Extremos’. Quando soube, minha mulher ficou puta. “Pra
quê comprar mais livros, você tem uma estante inteira aí pra ler”, na mesma
cantilena de sempre. Ignoro-a. Finalizo a compra. Ascendo aos céus e, por
poucos segundos, sou o homem mais feliz do mundo.
Quando os livros
chegam – e aqui, temos a certeza de que existe um Deus em algum lugar – minha
esposa e eu acordamos. Na verdade, sou forçado a tal. “Nada de
compras até ler todos esses que comprou, combinado”. Compulsivo-maníaco que sou, logo
acho uma brecha em nosso pacto. “Amor, tá vendo este livro aqui?”. Aponto,
então, para a obra do Hobsbawn. “É o
quarto volume da série. Falta-me os três primeiros, vou ter que compr...”. Seus
olhos se reviram antes que consiga concluir a frase. Fazer o quê, se ela gosta
de comprar roupas, porque não posso gostar de comprar livros?
Okay,
João. Nada de jogo de palavras ou truques de retórica. Precisamos conversar
sobre a sua compulsividade-maníaca-obsessiva por comprar livros. Sabemos que
na tarde de ontem você já comprou dois livros da sua professora de TCC 1. Não,
não nos venha com a desculpa que se "trata de livros da bibliografia do processo
seletivo de Mestrado da Universidade de Brasília (UNB)". Não e não! Acabo de ver
que você adicionou na sua lista de desejados o livro ‘A Informação, uma história,
uma teoria, uma enxurrada’, do jornalista James
Gleick. Vi, também, que anda namorando o livro ‘A história do século XX’,
do Martin Gilbert. E sei que você guarda alguns poucos reais no seu livro ‘Felicidade
e Morte’ só para comprar mais, não é?
A minha crítica,
entretanto, não vai apenas para o
ato de comprar livros. Sabemos que a
literatura é "uma necessidade da alma". Como diria a professora
doutora Adélia Freitas, em reportagem ao portal literário Literature-me!, "somos os únicos animais capazes de ler e
escrever, logo, pode-se dizer que a literatura é uma necessidade da natureza
humana e ponto", afirma. A crítica desta crônica, e também do canal 'Porta
dos Fundos', é a redução e a desvirtuação do papel do livro em uma sociedade
capitalista pautada pelo consumo. De símbolo de status e cultura, à redução
para livro-objeto, enfeites pela casa, do livro comprado e nunca lido, só pra
aumentar a pilha, e um status. Percebe o que quero dizer?
Acompanho canais
literários e também alguns perfis de pessoas que curtem livros no Skoob ou
Instagram. Percebo que existem pessoas muito mais bitoladas do que eu.
Pergunto-me. Eles não sabem que gostos mudam? Que temos um amadurecimento
literário? Que aquele livro, comprado hoje, daqui a cinco anos pode não
despertar-me o mínimo interesse? E a parte mais chocante: não percebem que livros
são totalmente desvalorizados, não conseguindo-se recuperar nem um quarto do
que fora previamente investido?
Como escrevi
anteriormente, o livro é, antes de tudo, funcional. Seu conteúdo é que lhe dá valor. Não a sua
quantidade. A partir desta premissa, torço, então, para que tenhamos mais frases
como a proferida pelo biógrafo e crítico britânico Peter Ackyroid, no
Prefácio do (insuficiente) 1001 livros para ler antes de morrer. “De algum modo
o deleite de ler um romance permanece. É um prazer silencioso, fruto da solidão
ou concentração, fomento de fantasias e reflexões, amante das paixões e
instigador de aventuras e mudanças. Realmente capaz de mudar vidas”. E menos exemplos iguais aqueles apontados por Gregório Duvivier, no encerramento do vídeo
'Biblioteca', disponível em um canal do Youtube. "Ah, qual que eu vou
saber daqui que tem história". “Todos têm!", "Mentira...".
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Percebe-se, aqui, claramente, uma pessoa sem o mínimo de controle quando o assunto se trata de livros. Arquivo Pessoal. |
4 comentários
oi João, eu me identifiquei muito com você agora eu tenho maneirado um pouco nas compras pra ir "desafogando" a estante, mas é loucura mesmo quando eu falo pras pessoas o tanto de livro que tenho e o tanto que ja gastei em livros, mas vamos combinar que é tão bom quando o pacote chega, poder rasgar a caixa, desembalar os livros kk
ResponderExcluirhttp://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/
Oi, Thaila, tudo bem por aí? Você tocou em nosso ponto fraco. Aquela mensagem "a caminho do endereço de entrega", o entregador terceirizado quase derrubando o portão ao chamar, aquela caixa pesada e as duas hérnias na cervical, os livros no plástico, os livros sem o plástico, o cheiro, ah, o cheiro dos livros novos! Hahaha obrigado pelo comentário, Thaila, e volte sempre, por favor!
ExcluirJoão, cada vez que olho para minha estante de livros não lidos faço a vã promessa de que ficarei um tempo sem comprar, aí quando dou por mim, olha eu lá comprando mais um livro???? Segundo o porteiro, só chega pacotes para mim nessa casa hahahahahhahaha
ResponderExcluirMara, sei como se sente. Virei brother do entregador do Submarino, ele vai até em meu casamento, formatura. Sobre comprar livros, estou aqui, pensando em como fazer para deixar de comprar o quarto volume das obras jornalísticas do Gabo. Quando vi, já paguei o boleto. God, why?
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